Pois foi justamente esse pequeno detalhe de marketing da Revell que acabou caracterizando os kits desse período, os quais foram os responsáveis pela grande expansão que o plastimodelismo teve ao final dos anos 50 e início dos 60 e cujos reflexos são sentidos até hoje pois grande parte da geração de modelistas que vivenciou essa época e conviveu com esses kits ainda está entre nós.
O porque do sucesso dos “S” kits se deve provavelmente a uma infinidade de fatores porém me parece que o principal deles foi justamente o fato deles terem conseguido captar o espírito do final dos anos 50 da maneira como os adolescentes da época o viam e materializá-lo de forma acessível e palpável para eles.
A segunda metade dos anos 50 foi caracterizada pela euforia econômica nos Estados Unidos , foi justamente nessa época que a economia americana saiu da recessão dos anos do pós guerra e a demanda reprimida se transformou em um consumismo desenfreado. Essa foi a era dos carrões rabo de peixe repletos de cromados, dos primeiros programas de televisão, dos eletro-domésticos de formato exóticamente futurístico e cheios de opcionais inúteis, do Rock n’Roll e Etc...
Essa mesma época também foi a era do jato, quando essa tecnologia começou a ser totalmente dominada, diversos recordes foram quebrados e a cada dia novos projetos surgiam capturando a imaginação das massas sobre o que poderia ainda estar por vir. Esses avanços tecnológicos também faziam com que as pessoas percebessem que a conquista do espaço a cada dia ficava mais próxima e todos sonhavam com o universo de possibilidades que daí poderiam advir. Ainda estavam no ar os ecos da Segunda Guerra Mundial, a Guerra da Coréia era um fato muito recente e vivia-se a plenitude da Guerra Fria.
A adolescência dos anos 50 viveu mergulhada em todo esse universo de informações, sonhos e aspirações e acompanhou com euforia a avalanche de novidades que aparecia a todo momento. Portanto é bastante compreensível que eles desejassem algo que fosse acessível a eles e com o qual eles pudessem de alguma forma materializar e possuir uma parte do novo mundo que a cada dia surgia ao redor deles. Foi justamente com a intenção de atingir os desejos desse público infanto-juvenil que os fabricantes de kits da época desenvolveram seu marketing e seus produtos investindo justamente naquilo que mais mexia com a imaginação deles.
A fórmula que empresas como Revell encontraram para atingir seu objetivo, foi em primeiro lugar desenvolver uma linha de produtos que representassem justamente tudo aquilo que se encontrava em maior evidência no momento e que possuíam maior apelo junto aos jovens, como carros, aviões a jato, foguetes, mísseis, navios de guerra, tanques, etc.
Em segundo lugar procuraram melhorar na medida das possibilidades tecnológicas da época o conteúdo das embalagens. Porém deve-se observar que no período a principal preocupação era dar maior atenção aquilo que era mais atrativo no objeto representado do que a fidelidade aos detalhes propriamente dita. Ao contrário dos modelistas atuais, aqueles adolescentes desejavam ver nos kits hélices que girassem, peças que se movessem, rebites aparentes, figuras de pilotos e outras coisas mais que hoje consideramos abomináveis mas que para eles era justamente o que causava sensação. E era justamente em cima disso que os fabricantes investiam nos seus produtos. Uma outra característica dos kits desse período é que não havia muita preocupação com a regularidade de escalas, os kits de modo geral eram feitos em diversas escalas diferentes caracterizando aquilo que hoje chamamos de escala “1/CABE NA CAIXA”. As escalas regulares só começaram a ser consideradas de fato a partir dos anos 60. Nessa época também começaram a desaparecer as insígnias estampadas nos kits e no seu lugar surgiram os rebites em profusão, e outros itens como trens de pouso e alguns detalhes de interior. Mesmo que estes ainda estivessem muito aquém dos padrões atuais de precisão ainda assim eram kits bem melhores que os produzidos anteriormente.
Porém de todas as mudanças, aquela que talvez mais tenha feito a cabeça dos garotos dessa época foram as das chamadas “box-arts” que agora passavam a ser muito melhor elaboradas que as anteriores. Estas agora buscavam capturar o espírito da ação através de cores fortes e cenas de estudada dramaticidade que fazia com que a embalagem por si só contasse toda uma história sobre o objeto. Não a dúvida de que na época se comprava o kit muito mais por aquilo que a arte da caixa levava a imaginar do que pelo seu conteúdo propriamente dito. As box-art dessa época, embora nem sempre fossem totalmente fiéis a realidade, são até hoje consideradas as mais significativas dentro do universo do plastimodelismo, e são com freqüência re-editadas dado ao apelo que até hoje possuem junto aqueles que conviveram com elas em sua época.
Um outro tipo de produto muito explorado pelo marketing da Revell americana na época, mas que nunca chegou a ser produzido aqui no Brasil, foram os chamados “Gift Sets”, estes de um modo geral eram caixas que reuniam alguns produtos da marca afins entre si em forma de conjuntos, os quais tinham por tema determinados programas de televisão dos EUA ou filmes da época e evocavam nomes como: “Strategic Air Command”, “Air Power”, “Victory at Sea”, “Guided Missile Fleet”, “Let’s Take a Trip”, Etc...
O Guided Missile Fleet foi criado em menção ao programa Navy Log da rede ABC
e foi um dos mais famosos Gift Sets da Revell na época. Recentemente foi relançado em
edição especial por ocasião da comemoração dos 50 anos da marca
O último dos chamados “S” kits, o A3J Vigilante, foi lançado em 1959, embora o “S” tenha continuado aparecendo nas embalagens dos kits anteriores até por volta de 1961. A partir do início dos anos 60 a Revell passou a recolocar no mercado os mesmos kits que foram lançados durante os períodos “S” e Pré “S” com novas embalagens, contendo muitas vezes as mesmas artes originais, porém os agrupando na forma de séries de kits as quais se tornaram bastante famosas e que serão objeto de um próximo artigo.
O A3J Vigilante foi o último kit a ser lançado com o logo “S” na lateral da caixa em 1959,
marcando o fim de uma era do plastimodelismo
Atualmente os “S” kits originais são cobiçados itens de coleção e costumam alcançar valores elevados de mercado quando encontrados em bom estado de conservação.
Embora a Kikoler só tenha começado a produzir kits no Brasil no início dos anos 60 e o logo ”S” nunca ter sido utilizado nas embalagens nacionais a maioria dos primeiros kits lançados aqui na década de 60 e suas respectivas “box-arts” ainda eram as mesmas dos “S” kits americanos. Seja como for essas caixas causaram entre nós Brasileiros o mesmo impacto que haviam causado anos antes sobre os garotos americanos e não tenho menor dúvida de que foram um dos principais motivos de muitos como eu terem abraçado o plastimodelismo como hobby através dos anos que se seguiram.
Agora um pouco mais da arte dos “S” Kits:
AVIÕES