O 14 Bis da Revell/Kikoler

Texto e fotos de Roberto Tumminelli

Essa interessante matéria publiquei no meu extinto site de plastimodelismo, o MiniaturesBrasil, a partir de um surpreendente e-mail que me foi enviado à época pelo modelista Mario Cavalcante, há mais ou menos 4 anos (nossa como o tempo voa!). E aproveitando que nesse ano, 2006, é comemorado o centenário do primeiro vôo do 14 Bis, revirei o baú do Miniatures e trouxe ela de volta.

No e-mail, Mario falava a respeito do projeto do kit do 14 Bis e do homem que havia feito o molde para a injeção dos kits, um paulista de origem alemã, residente em Petrópolis, o Sr. Kurt Adolf Hamberger.

Fiquei surpreso com tal história, pois nem o próprio Leslie Kikoler tocou nesse assunto quando nos encontramos para conversarmos a respeito da matéria da história da Kikoler/Revell no Brasil (já publicada aqui no Webkits).

Trocamos alguns e-mails, onde mostrei meu interesse em saber toda a historia de tal empreitada, e por telefone, após uma boa conversa, agendamos um encontro para o dia 1º de setembro de 2002, onde eu o encontraria, além de Kurt, e o kit do 14 Bis.

Depois de almoçarmos, eu e minha namorada, na casa de uma tia, fomos à tarde, para a casa do Mario. Por uma ironia do destino, conversando com o Kurt, descobrimos que a casa dessa tia havia sido sua residência há alguns anos.

Por volta das 16 horas, a chuva não cessava e o frio da serra aumentava. Porém isso não diminuía em nada a nossa ansiedade em conhecer pessoalmente o Mario, Kurt e a história do projeto 14 Bis.

Assim que chegamos na casa do Mario, fomos levados diretamente para o segundo andar onde fica seu "recanto modelístico". Fomos recebidos por ele que nos apresentou o Kurt, que assim que me viu prontamente disse: "Eu pensei que fosse encontrar um senhor!".

Kurt Adolf Hamberger, tem hoje 66 anos, é um sujeito hiper simpático e do tipo "vamos sentar e tomar umas cervejas (bebida que adora!)".

Ele iniciou nosso papo contando-nos que havia prestado serviços durante muitos anos para a Kikoler, depois de ter trabalhado na Roly Toys, importadora oficial dos produtos da Lesney para o Brasil e que por um tempo produziu algumas miniaturas em metal de carros nacionais.

Sua atividade na Kikoler estava ligada à "saúde" dos moldes que chegavam do exterior e o estado em que seriam devolvidos à Revell americana. Qualquer dano que viesse a ocorrer nos moldes durante o processo de fundição dos kits, era por ele consertado, para que os mesmos retornassem em perfeitas condições, pois caso contrário, a Kikoler seria obrigada a pagar pelo conserto dos mesmos e pelo tempo que eles ficassem parados.

Em 1973, Leslie Kikoler, teve a idéia de lançar no mercado nacional e internacional o kit do 14 Bis. Para essa empreitada, o Kurt, que à época já era um experiente gravador, "mold maker" para os americanos, foi encarregado de fazer o molde em aço.

O trabalho, lembra-se Kurt, foi todo feito a mão, utilizando pontas montadas de esmeril, cinzéis, burís e limas e, foi todo baseado na planta original de Santos Dumont e com a utilização de fotos da ocasião do vôo do 14 Bis em Paris. Houve também uma intensa pesquisa na Casa de Santos Dumont, que fica em Petrópolis, conhecida como "A Encantada", hoje um museu. Desde a pesquisa até a primeira injeção dos kits para teste passaram-se de 2 a 3 anos.

Kurt disse que durante a confecção do molde, havia visitas periódicas dos executivos da matriz americana da Revell, nas quais era inclusive feita a auditoria das vendas. Durante essas visitas os executivos da Revell americana souberam da idéia do projeto do 14 Bis. Começaram então a assuntar. Quando viram que se tratava do avião de Santos Dumont, deram desculpas e vetaram o projeto por medo da divulgação mundial do Santos Dumont, de seu feito e paralelismo com os Irmãos Wright.

Leslie Kikoler até então estava muito entusiasmado com o projeto. Algo em torno de dez kits foram injetados para teste e depois se perderam ou foram destruídos no processo de teste. Nesse momento Mario levantou-se e foi em direção a um armário. Kurt, brincalhão, fez uma pausa no relato e disse ao Mario: "Mario, você disse que não iria mostrar nada a ele!".

Mario então, pôs em cima da mesa o primeiro kit injetado e o único que restou daqueles feitos para teste, na cor marfim, e que hoje lhe pertence, pois lhe foi presenteado pelo Kurt, que o utilizou, na época, para a análise técnica do molde.

Algumas peças estão marcadas a tinta com "OK", pois estavam sem falhas. Outras possuem partes em plástico colorido, feitas a mão, e representam modificações que foram feitas no molde.

Segundo Kurt, o molde não chegou a ser complementado pelos serviços de um "ferramenteiro", quando receberia os pinos de orientação de encaixe das partes bem como os pinos de extração.

Seria um kit de fácil montagem, a escala, "não me lembro", disse-me Kurt.

Junto do kit estava a cópia da planta original do avião, feita por Santos Dumont.

Enquanto eu batia fotos do kit, Kurt despediu-se de nós, pois já estava ficando tarde e não havíamos sentido o tempo passar.

Chegou, então, a nossa hora de partir. Agradeci muito ao Mario, por essa oportunidade de conhecer a única peça restante, um verdadeiro sobrevivente, do projeto de um kit genuinamente brasileiro, com um tema também brasileiro e feito por um brasileiro, que por vários motivos, os quais todos conhecemos muito bem, veio, infelizmente, a ser vetado.

Tenho convicção de que se no lugar da americana Revell, a fabricante francesa Heller, estivesse na empreitada, o desfecho da história teria sido outro. No entanto não quero aqui criar, ou melhor, aumentar a celeuma sobre a história de quem é o pioneiro da aviação. Mostrar que houve o projeto de um kit do 14 Bis e que ele por pouco não se concretizou é meu único intuito. Só sinto uma tristeza que esse projeto não tenha sido concluído. Porém não é uma idéia morta. O kit existe e pode servir de base para a confecção de um novo molde, se é que o antigo não se perdeu com o fim da Kikoler. Quem sabe?